Preencha os campos abaixo para submeter seu pedido de música:
Desde a morte de Marília Mendonça, na última sexta-feira (5), alguns famosos têm sido criticados nas redes sociais pela forma como reagiram à notícia: os motivos vão desde sorrisos durante o velório à roupa usada na ocasião, passando por questionamentos de por que sorriram ou não choraram (ou choraram demais).
Especialistas em saúde mental explicam que a “fiscalização” ou a “patrulha” do luto alheio é um desserviço – pois cada um vive a perda à sua própria maneira. Em resumo: o importante, mesmo, é cuidar da própria vida.
Nas redes sociais, pessoas criticaram fotos da cantora Maiara – da dupla com Maraísa – sorrindo após a morte de Marília. Maraísa saiu em defesa da irmã.
O psiquiatra Daniel Barros, professor da Universidade de São Paulo (USP), explica que cada pessoa reage de uma forma quando recebe uma notícia, seja triste ou feliz. Não cabe julgamento. Ele lembra, aliás, que sorrir em velórios e enterros é extremamente comum.
“É uma das maneiras de a gente lidar com essa perda tão intensa. Lembrar das coisas boas, de ‘causos’ que vivemos com a pessoa, situações engraçadas que tivemos. Lembramos disso e sorrimos. Daí você lembra que a pessoa não está mais lá e chora. Esse misto de emoções faz parte do ritual de despedida”, explica.
Daniel lembra que estar sorrindo em um momento tão triste faz parte: “No nosso cérebro, tristeza e alegria não são opostas. Você pode estar muito triste por essa perda e lembrando feliz pelas coisas boas que vocês viveram. Choremos a morte, lamentemos a perda, mas celebremos o que aconteceu, celebremos a vida”, diz.
A cantora Naiara Azevedo também foi criticada por estar “animada” ao cantar em um tributo a Marília no “Domingão com Huck”.
“Era uma maneira de homenagear a vida da Marília Mendonça, a emoção que ela passou em vida. Não necessariamente o choro é a única maneira para a gente demonstrar o pesar”, frisa a psicóloga Juliana Correia, especialista em formação e rompimento de vínculos, do VOA Instituto de Psicologia, em São Paulo.
“Quem está criticando deveria pensar um pouco: o que você gostaria que as pessoas que você ama fizessem quando você morrer? Você quer que todo mundo pare a vida e fique chorando? Ou quer que elas celebrem sua vida e sejam felizes? Vamos lamentar a morte, chorar, sentir essa perda, mas também precisamos seguir a vida, celebrando e lembrando das coisas boas. Provavelmente ela quer que cantem as músicas dela”, completa Daniel.
Tudo bem não ir ao velório e ao enterro
O sertanejo Cristiano, da dupla com Zé Neto, rebateu no domingo (7) críticas sobre a ausência de Zé Neto na despedida da cantora. “Cada um tem sua forma de sentir dor, cada um tem seus traumas, suas angústias. Vocês têm que aprender a respeitar isso. Para de achar que o mundo gira em torno dessa m… de rede social. Só o que vocês veem em rede social, só o que a TV mostra é verdade”, disse o sertanejo.
Está tudo bem não ir ao velório. O problema é julgar a atitude alheia, sem entender as motivações, explica Daniel Barros. “Você não tem a menor ideia das motivações e de todos os aspectos da vida da pessoa naquele momento. Você não sabe por que ele foi, por que ele não foi. Não cabe ao outro dizer o que é certo ou errado”, alerta.
Juliana pondera: “algumas pessoas vão querer guardar a imagem daquele pessoa perdida fora daquele contexto. Tem pessoas que lidam mesmo mal com o cemitério, com caixão, e não são as primeiras pessoas”.
“Tem gente que perde a mãe, perde a vó, e não vai no velório porque quer guardar a imagem da pessoa com alegria. São questões pessoais. Estar no enterro não significa mesmo amar mais ou não. Você também tem uma certa pressão social, como um evento social do luto, né? Qual é o protocolo? O protocolo é ir para o velório, mas os protocolos não mostram o nosso amor”, reforça.
Um outro ponto é que a morte tem um aspecto que é cultural, diz Juliana. “Velório também é a primeira rede de apoio de quem está de luto. Eu sou a Luísa Sonza de luto, eu encontro a Maraísa, ela compreende a minha dor. A gente chora junto, então isso faz sentido como ritual. Mas nem todo mundo vai precisar ir ao enterro para fazer esse estabelecimento. São rituais da nossa cultura, faz sentido a gente criar expectativas de que eles se realizem, mas eles não são obrigatórios”, reforça a psicóloga.
Preto ou branco? Cor da roupa não importa
Também houve quem criticasse a roupa usada por Luisa Sonza, que vestiu branco no velório e na homenagem a Marília Mendonça no “Domingão com Huck”.
Juliana lembra que, além de o branco poder sinalizar luz e paz, é possível que muitas pessoas ali, por causa do choque, talvez nem tivessem escolhido a própria roupa.
“Se você veste branco, azul, preto, se você canta feliz, se você canta triste, o que é que as pessoas fazem? Elas te convidam a interpretar o personagem do enlutado. E aí isso também te impede de viver seu luto de verdade, o luto que faz sentido para você. Você para de viver o luto que realmente sente para bancar o personagem. Então eu devo estar de preto e gritar na frente do caixão; então eu faço isso, embora não faça nenhum sentido para mim. Não é essa emoção que me conecta, não é isso que eu estou sentindo”, pondera.
“Não tem sentido criticar. A pessoa tem um gabarito do que é certo ou errado e quem não segue é condenado imediatamente”, comenta Daniel.
O mais importante é não patrulhar o sofrimento alheio
Os “patrulheiros morais” estão sempre on-line. Eles criticam sem se preocupar se isso vai machucar, se vai deixar alguém pior do que está. Daniel Barros explica que essas pessoas são as “exibidas morais”.
“É um comportamento em que a pessoa não só patrulha a vida do outro para identificar algo que ela possa criticar, como também se coloca numa posição superior, dizendo: olha, isso não se faz, isso eu não faria. Ela diminui o outro para parecer melhor e ficar mais bem cotada naquele comentário”, avalia.
Segundo Daniel, o exibido moral não quer promover debates e discussões. “Elas condenam, apontam o dedo. As declarações têm objetivo de fazer o outro se sentir mal. Quem não concorda está errado. O objetivo final é aparecer, ganhar likes, à custa de diminuir o outro para parecer maior”, diz.
“A grande questão do luto é que ele é completamente singular. Eu fico me perguntando por que a gente julga tanto – a serviço de que está o julgamento. O julgamento afasta o acolhimento – quem está enlutado quer ser acolhido”, completa Juliana.
Devemos conversar mais sobre a morte para viver uma vida que vale a pena, diz especialista em cuidados paliativos
“O fiscal do luto faz um desserviço – muitas vezes ele vai fazer a pessoa [enlutada] se isolar mais ou expressar esse luto como é esperado, e não como ela realmente sente. Ela vai se fechar, porque, bom, se o que ela está dizendo está sendo julgado como certo ou errado…”, diz.
Fonte: Foto: Reprodução, Redação O Sul