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Dor e empatia marcarão campanha eleitoral em 2020

Com a definição das novas datas das eleições de 2020 e o país, o Sul em especial, ainda mergulhado na pandemia do novo coronavírus, estrategistas políticos se dedicam a mapear o que os candidatos  deverão entregar aos eleitores para obter sucesso nas urnas em novembro, e o pacote é complexo. Em um ano marcado por muitas perdas, e de todos os tipos, o consenso é de que as campanhas demandarão esforços extras. A 120 dias do primeiro turno, que ocorrerá em 15 de novembro após o adiamento aprovado pelo Congresso também em função da pandemia, já há a exigência de que os candidatos demonstrem, sobretudo, empatia: e ela terá que parecer espontânea, não fabricada. E que mostrem possuir planejamentos reais para suas cidades, que incluem desde ações bem específicas, como a capacidade de conseguir agilizar o recebimento da tão esperada vacina, quando ela surgir, até estratégias executáveis de retomada da economia.

Dor, perda, empatia, solidariedade, humanidade, reconstrução e esperança, garantem os especialistas, são palavras e conceitos que se repetirão na corrida eleitoral dos próximos meses. Mas, sempre, com o cuidado de não exaurir ainda mais o eleitor. Para ser efetiva, a discussão política precisará se vincular a questões ou áreas específicas. Ou seja, o desafio dos candidatos será falar de política sem parecer que está falando ‘só de política’. Os estudos que se dedicam a apontar o que vai pela cabeça da população apontam que ela, em função da Covid-19, se mostra, até agora, ainda menos interessada na discussão da eleição em si. Prova disto é que passaram praticamente ‘batidos’ os debates no Congresso e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o adiamento das datas do pleito e sobre a divisão dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o Fundo Eleitoral.

Há uma atenção especial sobre quais ferramentas terão maior ou menor efeito em uma campanha que ocorrerá em meio a um contexto de distanciamento físico e restrições de atividades. Grandes eventos, como jantares e confraternizações presenciais estão descartados, e há muitas dúvidas ainda sobre o chamado corpo a corpo miúdo, que inclui reuniões políticas restritas e visitas a domicílio. Em função das restrições físicas, a aposta é de que a propaganda eleitoral no rádio e na TV voltará a ganhar influência. E, como já aconteceu em 2018, as redes sociais de modo geral, mas o WhatsApp especificamente, vão ter muita importância. O desafio é saber como usá-los.

Na pandemia, gestores já trabalham com identificação e emoção 

A pandemia do novo coronavírus e a empatia que os especialistas em marketing político tanto destacam que ela vai impor ao cenário não só pautam o pleito municipal de 2020 como embaralharam um pouco mais a já sempre concorrida disputa eleitoral. Por um lado, os reflexos da Covid-19 podem desgastar mandatários que estão no exercício de seus mandatos, como prefeitos e governadores, com a tendência de que estes reflexos se tornem mais intensos a medida que o tempo passa. Por isso parte significativa dos prefeitos preferia ou manter as datas originais da eleição em outubro ou adiar o pleito para um futuro indefinido depois de 2020.

Mas, por outro lado, a tragédia provocada pelo coronavírus também tende a fortalecer quem está no poder, e dificultar a vida de ‘players’ estranhos ao jogo: os chamados ‘outsiders’, que tanto sucesso fizeram em 2016 e 2018. “Estamos chamando de a jornada do herói. A disputa deste ano vai privilegiar quem estiver fazendo um bom trabalho. Se alguém novo quiser entrar, precisa ter uma rede de relacionamentos muito bem estruturada, uma capacidade de entrega maior e demonstrar uma liderança de reorganização da sociedade superior a do atual gestor”, elenca Elis Radmann.

Isso não significa tranquilidade para os atuais administradores. Em semanas, as vezes dias, uma ação equivocada pode transformar a imagem do herói em vilão. É o risco que correm hoje, por exemplo, tanto o governador Eduardo Leite (PSDB) como o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior (PSDB). Ambos começaram a jornada de combate à Covid-19 muito bem avaliados, mas isso foi antes de a doença chegar com força ao RS. Na sequência, os dois tucanos promoveram flexibilizações sucessivas nas estratégias, que acabaram desagradando tanto a quem as aprovava como a quem as criticava. De novo impuseram regras mais rigorosas e, agora, estão em um momento de reavaliação.

Confirmando o que projetam os estrategistas políticos, ambos também vêm buscando com força estabelecer com a população a empatia capaz de garantir a credibilidade, alavancar as iniciativas governamentais e fortalecer o capital político. Tanto o governador como o prefeito se manifestam diretamente a população em lives na internet nas quais fornecem pacientes atualizações das situações do Estado e da Capital. Externam humildade, apelam para a solidariedade e não escondem a emoção.

A imagem de governantes humanizados e na ‘linha de frente’, que se defrontam com tristezas e felicidades idênticas as das populações que comandam, não é privilégio dos administradores gaúchos. Ela tem lugar de destaque nas políticas desenvolvidas pelo governador e pelo prefeito de São Paulo, os também tucanos João Dória e Bruno Covas (PSDB). Dória, um dos principais nomes à sucessão presidencial de 2022, não vem apenas falando diretamente a população desde o início da pandemia. É dele a iniciativa de viabilizar no Brasil uma segunda alternativa de esperança de vacina para além daquela que é a aposta do governo federal, em um exemplo claro da ‘entrega de soluções’ que os especialistas em marketing político asseguram como fundamental daqui para a frente. Covas, além de não esconder as agruras do tratamento para o câncer que enfrenta, chegou, em determinado momento, a se mudar para a prefeitura.

Antes de todos eles, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM), acompanhado de seus principais assessores, já havia tornado popular a iniciativa de, vestindo um colete do SUS, falar diariamente a população, em uma linguagem simples e acessível, sobre o avanço da doença e as iniciativas de enfrentamento. Mesmo que parte das promessas não tenha se concretizado, deu tão certo que Mandetta capitaneou apoiadores de quase todos os espectros políticos. E, três meses após ter deixado o ministério, não só segue como autoridade em estratégias de combate ao coronavírus no país, como se tornou um político conhecido em todo o território nacional.

Processos mais sofisticados serão usados nos meios digitais 

O uso de redes sociais e aplicativos não apenas vai se intensificar em função das restrições aos eventos ‘ao vivo’, mas exigirá estratégias mais sofisticadas para surtir efeito. Inundar eleitores com frases de efeito, lives e postagens sobre qualquer assunto que esteja em evidência tende a mais afastar do que conquistar votos. É consenso entre estrategistas políticos que o uso do WhatsApp vai aumentar. Mas o sucesso depende de algumas artimanhas.

“Pouco adianta sair montando dezenas, centenas de grupos, aleatoriamente. É preciso se relacionar, fazer relacionamentos. Uma opção é o candidato ingressar ou fortalecer laços em grupos com objetivos e interesses específicos, e construir uma narrativa, uma trajetória ali. Não deve ficar se vendendo, falando de política, de eleição. Vai falar do que é objetivo do grupo. Em determinado momento, alguém vai lembrar ou perguntar se ele é candidato. E aí sim ele responde, fala de uma proposta que tenha relação com os interesses do grupo. Mas é fundamental que mostre a identificação que caracteriza os relacionamentos”, explica José Luiz Fuscaldo.

Juliano Corbellini aponta linha semelhante. Ele destaca que o WhatsApp funciona como uma nova forma de comitê eleitoral. Por isso, demanda estratégia e trabalho qualificado. “É uma plataforma na qual o candidato organiza seus apoiadores e, a partir deles, chega aos seus eleitores, que são os amigos dos seus apoiadores”, resume.

“É fundamental que as listas orgânicas funcionem. A credibilidade que elas trazem, em função dos relacionamentos, garantem o apoio. Mas é importante ressalvar que o candidato precisa ser comedido na quantidade de publicações. E que as pessoas não querem ser inundadas por informações que não lhes interessam. O eleitor está bastante seletivo. Se ele é ciclista, por exemplo, e receber informação relevante sobre ciclismo, vai compartilhar naturalmente e tende a prestar atenção em quem a postou”, completa Elis Radmann.

Fake news vão continuar e TV volta a ter importância 

O uso da tecnologia virá acompanhado dos problemas já associados a ela: desinformação, fake news e disparos em massa. Apesar dos mecanismos que vem sendo desenvolvidos para coibi-los. “Não tenho a esperança de que ocorra uma diminuição nas fake news já nesta eleição”, projeta Fábio Bernardi.

Conforme ele, não haverá diminuição da desinformação, por enquanto, por dois motivos principais. O primeiro é que a sociedade brasileira ainda está em um cenário de alta ideologização de suas posições. “Quando a pessoa recebe algo em que já acredita, sua tendência é acreditar ainda mais naquilo e espalhar. O que ocorre é que valida, confirma, uma posição que está nela mesma, independente de existir comprovação daquilo, relação com os fatos”, explica.

O segundo motivo é, segundo Bernardi, que o processo de disseminação das fake news está muito avançado, enquanto que o que pretende combatê-las ainda dá seus passos iniciais. “Há uma parcela do eleitorado que já começa a cansar da toxidade, da radicalização, e a fragilidade financeira deve deixar as pessoas mais suscetíveis a um discurso um pouco mais racional. Mas não sei se será o suficiente para pautar a eleição. Neste contexto, a imprensa terá um papel ainda mais importante”, avalia.

Em meio a pandemia, é consenso entre os especialistas que uma velha ferramenta vai voltar a ter importância na conquista de votos. A propaganda no rádio e na TV. Por isso, já há movimentação entre atores políticos sobre o tema. “Em função do esvaziamento da rua, a TV vai voltar a ter um papel essencial. Mas é importante diferenciar as ferramentas. O candidato, em ambas as plataformas, terá que saber direito o que falar, para quem falar e ser criativo. Não adianta, por exemplo, usar as redes como se estivesse na TV. Nas redes a comunicação é ‘memeficada’”, exemplifica Juliano Corbellini, em referência ao uso de memes e sobre o potencial que possuem para viralizar, turbinando  candidaturas.

O que dizem especialistas 

“Estamos passando por uma ruptura. Na campanha não estaremos falando de sonhos, mas de dor e de reconstrução. É como um pós-guerra. As pessoas querem soluções de restruturação e reconstrução. A palavra da eleição será empatia.” Elis Radmann – Cientista social e política, diretora do Instituto Pesquisas de Opinião (IPO).

“Vamos tratar da vida em sociedade de um outro jeito. Porque temos uma vida muito mais gregária, solidária, coletiva, do que imaginávamos. Esta percepção faz com que também passemos a dar mais valor às políticas públicas.” Fábio Bernanrdi. Estrategista político, publicitário, vice-presidente de Planejamento do Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Político (Camp).

“É a eleição da incerteza e as campanhas vão se organizar em meio a esta incerteza. Não sabemos quais serão as condições sanitárias, as pessoas estão bastante irritadas e há uma tendência alta de abstenção. Neste cenário, as redes sociais vão se tornar ainda mais importantes. Por isto, os candidatos que estão já organizando suas redes estão ganhando tempo.” Juliano Corbellini – Cientista político, consultor de marketing eleitoral.

“Antes o candidato saía do geral para o particular. Agora será o contrário. Ele, primeiro, vai ter que se colocar no lugar do eleitor, vai abrir a conversa olhando para o outro, e vai precisar dizer: ‘sei o que você está passando nesta pandemia.” José Luiz Fuscaldo. Especialista em marketing e comunicação institucional, CEO da agência Moove, diretor na região Sul do Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Político (Camp).

 

Fonte: Foto: Ricardo Giusti, Flavia Bemfica, Correio do Povo

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