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Falta de coordenação nacional agravou cenário da pandemia de Covid-19 no Brasil

Há três meses o Brasil tinha quatro mortes por conta do novo coronavírus. O primeiro óbito foi registrado oficialmente no dia 17 de março mas a vítima, um homem de 62 anos que tinha diabete e hipertensão, faleceu um dia antes, em São Paulo. Em um mês, o país já tinha 30 mil casos e 1,9 mil mortes. Dois meses após o primeiro óbito, contabilizávamos mais de 241 mil casos e 16,1 mil mortes. Atualmente, 90 dias depois das primeiras perdas para a Covid-19, segundo o Ministério da Saúde, já são mais de 923 mil casos e mais de 45,2 mil óbitos.

O doutor em Saúde Coletiva e membro da Comissão de Política, Planejamento e Gestão da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Dário Frederico Pasche, afirmou que estamos vivendo um quadro “muito grave” de dificuldade de compreensão da dinâmica de transmissão do novo coronavírus e do efeito que ele produz na forma mais grave da doença. “Além disso, as medidas que o Brasil tomou foram em um cenário de muita confusão, que beira a irresponsabilidade das autoridades chaves nesse processo”, disse.

O cenário atual, segundo Pasche, revela “a enorme pobreza humana” que vivemos na política brasileira. “Foram levantadas polêmicas como a economia é mais importante do que a saúde, dissociando elementos da vida cotidiana que são inseparáveis, o mais grave foi isso”, assinalou. Se olharmos as medidas que o Brasil tomou, ainda nos primeiros 15 ou 20 dias da epidemia, com o acionamento do Comitê Operacional Estratégico e as demais ações, vínhamos tomando medidas que estavam adequadas.

“Até porque temos o SUS, que não só tinha condições técnicas, operacionais e políticas para fazer intervenção em tempo oportuno, como fazemos parte de uma rede global”, reiterou. Como a pandemia atingiu o mundo inteiro, Pasche informou que o sistema global de acionamento da capacidade sanitária do planeta também entrou em colapso e não foi capaz de produzir uma ação. Apesar disso, no contexto brasileiro, Pasche enfatizou que desde o registro dos primeiros casos, o governo federal adotou uma postura de desdém da doença.

“Foram criando uma ideia de que se tratava de uma gripezinha e e diferentemente de outros países, como a Suécia e a Inglaterra, que também adotaram essa posição iniciar de desdenhar da pandemia, mas que na sequência conseguiram tomar medidas para reverter o caos, no caso do Brasil não aconteceu essa tomada de consciência dos governantes, sobretudo a nível federal, que continuam minimizando os efeitos da epidemia”, ressaltou. O ciclo natural do vírus, de acordo com Pasche, produz mortes.

“Os desenhos iniciais que nós tínhamos indicavam que, se não tomássemos nenhuma medida, teríamos sete bilhões de pessoas contaminadas e, no mínimo, 45 milhões de mortes. E como evitar o ciclo natural da doença? Adotando ações de saúde, sociais e econômicas. As medidas sanitárias são insuficientes para pensar o quadro de manejo de uma epidemia dessa magnitude, porque não é somente um problema sanitário, é um problema que envolve a vida também nas dimensões sociais, econômicas, subjetivas, culturais e obviamente sanitárias”, apontou. Por conta dos efeitos colaterais diversos, Pasche defendeu que seria necessária uma unidade de comando político para a articulação desses campos.

“Essa posição que é irresponsável do governo federal, que fez com que o próprio Ministério da Saúde fosse perdendo a capacidade de acionar o campo sanitário, além de não pensarmos as políticas integradas. A Alemanha, por exemplo, gastou 60% do PIB disponibilizando recursos diretamente para as pessoas, inclusive para as empresas, aqui temos medidas letárgicas, que muitas pessoas ainda não têm acesso, que são excluídas e talvez sejam as mais vulneráveis, que mais deveriam alcançar esse recurso”, comentou, referindo-se à concessão do auxílio emergencial. DO ponto de vista global, segundo Pasche, houve um desarranjo.

“Precisávamos de uma coalizão mínima, já estávamos em um cenário político muito caótico. Se a gente olha do ponto de vista da saúde, o Ministério foi gradativamente desautorizado a cumprir com uma macro função de reitoria do Sistema Nacional de Saúde, do qual seria o coordenador. Então (o Ministério) foi gradativamente perdendo essa capacidade, chegando a tal ponto que os governadores, os secretários estaduais e até mesmo os secretários municipais assumiram a coordenação de uma política nacional”, enfatizou. Essa situação, de acordo com Pasche, provocou ainda um agravamento das desigualdades regionais.

“Isso também faz com que brasileiros tenham a experiência da epidemia muito diferente, é como se morássemos em países diferentes, tem estados com situação equilibrada e outros com uma situação muito aguda. Isso foi produzindo um conjunto de ações específicas em cada local, isso faz com que a gente não consiga pensar hoje a epidemia como país”, reforçou. Conforme Pasche, estamos falando de uma “necropolítica”.

“Estamos literalmente acionando esse conceito, que é a morte deliberada, com a ação do estado. Se eu não faço nada, as pessoas vão morrer. Se o governo federal está propondo isso, está propondo uma política da morte”, definiu. A perda da capacidade operacional do Ministério da Saúde, no entendimento de Pasche, agravou o cenário da pandemia da Covid-19 no Brasil. Para os próximos 90 dias, segundo ele, é preciso trabalhar praticamente com uma espécie de “adivinhação do futuro”.

“Nos faltam informações, mas certamente não estamos no pico, não estamos vendo movimentos nacionais de uma intervenção coordenada sobre a epidemia e, na ausência dessas estratégias, o vírus tem muito mais capacidade de fazer seu curso natural”, assinalou. Estamos, segundo Pasche, em uma perspectiva do que se chama “imunidade de rebanho”, quando uma pessoa vai contaminando a outra. “Só que os dados têm nos mostrado que 15% dos contaminados desenvolvem a forma grave da doença e precisa de internação, um terço dessas pessoas vão parar em leitos de UTI e a nossa taxa de mortalidade vai aumentando”, explicou.

O ciclo natural da doença é o que podemos esperar, conforme Pasche. Para lidar com isso, segundo ele, é preciso que os governantes estejam atentos a pelo menos três coisas: o atendimento na atenção básica e a ampliação da testagem. “Deveríamos fortalecer a estratégia de saúde da família agora e isso significa olhar para as equipes e ali colocar médico e enfermeiro na atenção básica, é tão ou mais importante do que ampliar leitos de UTI. Estão falando muito dos leitos de UTI, mas já é uma resposta tardia, quer dizer que os casos já estão graves e, para interromper isso, não adianta botar mais leito. Se não interromper a transmissão, não vai ter leito suficiente”.

Além disso, Pasche reiterou que é necessário ampliar a nossa capacidade de testes. “Estamos trabalhando com a possibilidade de que 85% das pessoas serão assintomáticas ou sintomáticas leves, teria que testar também essas pessoas, não somente aqueles com sintomas mais agudos. É preciso estabelecer melhores critérios, aí falta a coordenação nacional”, lembrou. Ele ainda manifestou preocupação com a falta de comunicação dos governantes com a população.

“Deveríamos ampliar a comunicação, porque está acontecido isso e o governo não dá resposta. Acho que vamos ter dificuldades tremendas e isso possivelmente vai produzir impactos muito grandes. Se o padrão de resposta governamental, sobretudo do governo federal, não mudar nos próximos dias, teremos muito mais mortes”, garantiu, detalhando que, se hoje estamos com mais de 45 mil mortes, o número pode dobrar nos próximos 90 dias, caso seja mantido o padrão de conduta da autoridade sanitária.

Fonte: Foto: Isac Nóbrega / PR / Divulgação / CP, Jessica Hubler, Correio do Povo

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