“Naquele cenário, não tive dúvida de que eram crianças. No momento em que cheguei, o menino estava muito agitado. Ele tinha uma deficiência intelectual, a menina também. E ele estava no colo dela. Pensei que eram duas crianças. Quando a gente achou o registro, a gente viu a idade, a gente não acreditou. O menino tinha 19, e a menina 22. Acredito até que pela subnutrição, não tiveram um desenvolvimento adequado e, realmente, a aparência era de crianças”, disse.
O policial militar relatou, ainda, que a primeira atitude que teve foi a de oferecer água e comida para a mulher, que apresentava uma postura receosa.
“Diante disso, ela olhou para mim, com uma reação assustada, e disse que ele não deixava as crianças comerem. E aí, eu falei para ela que aquela situação tinha acabado e que se ela tivesse qualquer coisa para dar para as crianças para dar. Ela falou que o vizinho tinha dado pão, mas que não poderia dar para as crianças. Mesmo com o indivíduo preso, ele permanecia na mente dela, exercendo aquele trauma, aquela violência psicológica. Um cenário estarrecedor”, afirmou.
Willian disse que todos os agentes envolvidos no resgate ficaram impactados com a situação em que a família vivia, especialmente pelo tempo em que foi mantida na casa escura, úmida e muito suja.
O PM comentou também a satisfação de ver vítimas, que estão internadas com desidratação e desnutrição grave, recebendo todos os cuidados clínicos necessários no hospital.
“Fantástico, a gente percebe ali pelo sorriso dela. O rapaz também estava de banho tomado, cabelo penteado. Isso é gratificante, transformador e faz com que a gente siga em frente na nossa profissão que é tão árdua”.
Vizinhos contam que agressor colocava som alto e mantinha filhos amarrados
A vizinhança ficou chocada com a revelação do caso na quinta-feira (28). De acordo com alguns relatos, o agressor, que foi preso, era conhecido por manter o som alto dentro de casa o dia inteiro supostamente para abafar qualquer pedido de socorro.
Há 20 anos morador da região, o homem que se identificou como Alberto disse que nunca imaginou o que acontecia dentro da casa: “O portão era aberto raramente. Nem sabia que ele tinha família. Para mim, ele morava só”.
Outro vizinho, que se identificou como Sebastião, foi o responsável por ajudar a família. Ele disse que se comunicou com a mãe por um buraco no portão e levou pão para os filhos, mas o agressor jogou o alimento fora.
De acordo com Sebastião, as vítimas ficavam amarradas e sem comida. Ele disse que tentava ajuda há dois anos para resgatar a família e buscou uma clínica da família da região.
A direção da Clínica da Família Alkindar Soares Pereira Filho disse ter notificado a suspeita em 2020 ao Conselho Tutelar da região, que informou na ocasião ter levado a denúncia ao Ministério Público e à Vara da Infância.
A unidade afirmou que não tem poder de polícia para agir além do encaminhamento legal e que várias tentativas foram feitas pelos profissionais da unidade de acompanhar a família e levar assistência de saúde neste domicílio, mas o morador não permitiu a entrada da equipe de saúde no imóvel.
Já o Conselho Tutelar de Guaratiba declarou que acompanhava o caso há dois anos e que havia registrado boletim de ocorrência na 43ª DP (Guaratiba), além de ter comunicado à Vara da Infância e da Juventude.
O MP-RJ (Ministério Público do Rio) disse não ter sido comunicado de que a violência não havia sido interrompida. A Promotoria acrescentou que a atuação do Conselho Tutelar e da rede de proteção está sendo apurada.
A Delegacia de Atendimento à Mulher de Campo Grande disse que o caso foi apresentado por policiais miltares e que o autor foi autuado em flagrante pelos crimes de tortura, cárcere privado e maus-tratos. A investigação está em andamento.