Preencha os campos abaixo para submeter seu pedido de música:
“Nós, negros, estamos cansados”, afirma a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), que fez história ao se tornar a primeira senadora negra do Brasil, em 1994, e mesmo após tantos anos de vida pública ainda sente as dores do racismo pelos corredores da política. Isso aos 79 anos. Assim como ela, outros 11 congressistas dos 26 em exercício que se autodeclaram pretos afirmaram sofrer discriminação no dia a dia da atividade legislativa.
Neste Dia da Consciência Negra, celebrado neste sábado (20), fica aqui um espaço para relatos enraizados no racismo estrutural que ainda faz com que deputados e senadores sejam barrados até mesmo na porta do Congresso e, muitas vezes, por seguranças que têm a mesma cor de pele.
“Sempre fui uma pessoa que cuida de questões raciais didaticamente; mas isso não impede que eu sofra violência racial”, relatou Benedita, que faz parte de uma bancada de exceção em Brasília. Somados deputados e senadores, apenas 4,3% são negros, de acordo com suas próprias autodeclarações. A reportagem do Estadão não levou em conta os que se declaram pardos, que somam 104 deputados e 11 senadores.
No Congresso Nacional, políticos pretos registram episódios muito parecidos de racismo no exercício da atividade parlamentar, como repetidos casos de restrição de acesso ao plenário, piadas pelo modo de agir ou de se vestir e sensação de invisibilidade.
Fundador da Uneafro Brasil e membro da Coalizão Negras por Direitos, Douglas Belchior diz que, independentemente do espaço, a pessoa negra pode ser vítima de racismo. Em sua avaliação, por mais que um preto tenha nascido em um ambiente de classe média, a história de contestação será sempre a mesma em relação à sua profissão e locais por onde passou.
“O lugar social em que é esperado não é aquele. Ele não é estranhado se não estiver na posição de submissão – e a política é mais um desses lugares, assim como é com o professor universitário, o médico, o advogado negro”, relata Douglas. Ele adiciona que, na política, o espaço está tomado por uma “hegemonia branca” e que, por isso, os partidos adotam práticas racistas. “A gente precisa que os partidos se comprometam, garantam priorização na agenda pública e construção de agendas negras.”
Mulheres pretas
Se apenas 26 dos 594 deputados e senadores são autodeclarados pretos, o número de mulheres neste grupo é ainda menor. São apenas cinco. E, por um motivo específico, segundo o cientista político e professor da Universidade da Flórida Andrew Janusz. Ele avalia que o principal motivo para a baixa representação preta e feminina se deve à alocação de recursos.
“Se você olhar para a Câmara, muitos dos deputados são executivos, latifundiários ou têm acesso ao capital, seja por patrimônio próprio ou por conexão com outras pessoas com dinheiro”, diz. “Se você olhar os números de financiamento de campanha, as pessoas que recebem o dinheiro são homens brancos. Mulheres e negros não têm recurso para apoiar as campanhas e não recebem doações.”
Belchior adiciona que é importante que todos os grupos sejam solidários à causa. Mas, que só quem tem a experiência, pode transformar a dor em ações concretas no campo da política. “Se você vive o racismo e o enfrenta, poderá fazer iniciativas políticas muito poderosas.”
Janusz também acredita que uma maior representatividade teria efeitos simbólicos. Há estudos que mostram que quanto maior a representatividade, maior a crença da população nas instituições políticas e maior compromisso com a democracia. “Esses grupos vêem a ordem política como um sistema que não os afeta, que não está interessado por eles. Com maior representação, aumenta a crença e há um maior engajamento político.”
Enquanto isso não acontece, o dia a dia dos negros na política é de luta e discriminação. Leia os relatos abaixo:
“Eu tenho o hábito de usar ternos brancos e mais claros. É muito comum alguém vir com piadinha sobre onde vai ser o samba ou se vai ter festa de terreiro.” — Orlando Silva (PCdoB-SP), único presidente negro da história da UNE, ex-ministro do esporte, deputado federal.
“A vivência de um parlamentar negro no Congresso Nacional é muitas vezes solitária, pois é muito difícil olhar para o lado e não encontrar os seus na caminhada.” — Paulo Paim (PT-RS), senador.
“Você não pode falar de questões raciais enquanto mulher e homem negro na Câmara porque eles se sentem ofendidos, fazem pouco caso. Dizem que não há nada disso. Nos chamam de mentirosos, tentam de toda a forma nos desestimular a fazer a denúncia.” — Benedita da Silva (PT-RJ), primeira senadora negra, governadora do RJ, deputada federal.
“Tenho um assessor branco de olhos azuis. Nós dois estávamos de paletó. Na primeira barreira de acesso da Câmara, o segurança não me deixou passar e me perguntou se eu era servidor. O assessor passou pela barreira direto. Por quê? Porque é branco.” — Valmir Assunção (PT-BA), deputado federal.
“Eu perdi as contas de quantas vezes eu fui barrada, mesmo com o broche de deputada, na entrada do Congresso. Isso porque é muito mais fácil identificar uma deputada mulher negra do que os brancos. Também já fui chamada de barraqueira e favelada em uma comissão.” — Talíria Petrone (PSOL-RJ), ex-vereadora de Niterói, deputada federal.
“Depois que fiz minha transição capilar, muitos parlamentares falam para mim ‘cabelo maneiro’ e dão risada. Você sabe que é um deboche.” — David Miranda (PSOL-RJ), deputado federal.
“Tem deputado que nem olha para nós. Eu, que sou atrevido, falo com ele, digo que estou aqui. Percebem que eu forço a barra.” — Vicentinho (PT-SP), primeiro líder negro da bancada do PT na Câmara, primeiro negro a presidir o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e a CUT, deputado federal.
“Há muitos parlamentares que não se autodeclararam pretos, mesmo que sejam.” — Silvia Cristina (PDT-RO), primeira deputada federal negra eleita pelo Estado, deputada federal.
“A Câmara se recusou a fazer consulta prévia à realocação das comunidades quilombolas em Alcântara. Ali, eu vi racismo.” — Bira do Pindaré (PSB-CE), deputado federal.
“Uma vez, ao prestar denúncia na Polícia Federal, me identifiquei como deputada federal ao segurança e pedi para estacionar. Ele não liberou. Ao encontrar meu advogado, que é branco, soube que o mesmo segurança o havia liberado acesso.” — Vivi Reis (PSOL-PA), deputada federal.
“Já me perguntaram em qual gabinete trabalhava. Nos primeiros mandatos, era muito comum eu ser barrado. Perguntavam para qual gabinete eu estava indo.” — Leonardo Monteiro (PT-MG), deputado federal.
“Queria ir a um local da Câmara. O segurança me olhou, e, mesmo com o broche, perguntou meu nome várias vezes e pediu meu documento. Eu relevei, porque é algo do dia a dia. Não é novidade.” — Josivaldo JP (Podemos-MA), deputado federal.
Reportagem especial do Estadão
Fonte: Foto: Reprodução, Redação O Sul